ARTIGO SOBRE BIBLIOTERAPIA

BIBLIOTERAPIA

UTILIZANDO A FUNÇÃO TERAPÊUTICA DA LEITURA EM BIBLIOTECAS ESCOLARES

Denise Zanetti Delgado

RESUMO

O presente artigo tem por finalidade resgatar a importância da biblioterapia, que pode ser aplicada em várias frentes da atuação do bibliotecário, explicitando os conceitos e a aplicação da mesma, numa tentativa de levar o trabalho do bibliotecário escolar para além de apenas desenvolver o gosto pela leitura nos alunos, mas, sobretudo, para utilizar a leitura como ferramenta transformadora de vida, auxiliando crianças e jovens na sua interação com mundo.

PALAVRAS-CHAVE: Biblioterapia. Livro. Leitura. Função terapêutica da leitura.

1. INTRODUÇÃO

O hábito de ler ajuda na atividade cerebral: lentifica as ondas cerebrais induzindo a um estado de mais relaxamento e estimula a memória; além da influência do conteúdo da leitura."

(Alex Botsaris)

Biblioterapia é fazer uso da leitura para fins terapêuticos, escolhendo um determinado tipo de literatura para o problema do indivíduo em questão, seja ele físico ou psicológico. Junção das palavras gregas biblion (livro) + therapeia (ato de curar, restabelecer), a biblioterapia não existiu como tratamento até meados dos anos 40. Contudo, já no Egito antigo, foram encontradas inscrições na Biblioteca do Faraó Ramsés, indicando livros como "remédios para a alma". (ARAÚJO, 2011, p. 22)

Segundo ARAÚJO (2011, p. 25), na década de 1930, a biblioterapia despontou como campo efetivo de pesquisa. Durante a Segunda Guerra Mundial, alguns médicos americanos utilizaram o termo biblioterapia para identificar o tratamento com livros empregado com os soldados feridos, que apresentaram significativa melhora em comparação com os feridos que não realizavam leitura. Desde então a biblioterapia tem sido empregada para problemas que vão além da convalescência, tais como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, distúrbios do sono, etc. De acordo com MENDES (2017), bibliotecas de hospitais, tais como o McLean Hospital, em Massachussets, Estados Unidos, iniciaram programas de acompanhamento biblioterapêutico com pacientes. Esses programas mostraram recuperação mais rápida e permanência no hospital menos traumática.

Cada vez mais a Biblioterapia vem sendo considerada ciência e tem sua vertente prática bastante aprimorada, incluindo reconhecimento profissional e científico às pessoas que trabalham como biblioterapeutas, tendo diversas formações, entre elas bibliotecários, enfermeiros, pedagogos, etc.

Na Europa, por exemplo, existe um mercado crescente para os serviços ligados à biblioterapia. Um exemplo da gama de aplicações desses serviços pode ser vislumbrado no site a biblioterapeuta (https://abiblioterapeuta.com/), criado pela francesa radicada em Portugal, Sandra Barão Nobre. Apesar de não ter formação na área biblioteconômica, Sandra já foi gestora de um grupo on line de livrarias e classifica-se como "leitora ávida". Essa imersão no mundo dos livros, aliada à uma formação em coaching, criou em 2016 o site para divulgar seus serviços de consultoria, aplicados à empresas e pessoas físicas. Dentre os serviços de biblioterapia oferecidos, todos com o seu respectivo valor em euros, estão: biblioterapia de desenvolvimento pessoal, coaching para ler mais e melhor, biblioterapia para casais, biblioterapia institucional ou corporativa e até mesmo leitura de livros à domicílio.

No Brasil, infelizmente não há muita produção bibliográfica a respeito do tema, porém existe um número significativo de produções acadêmicas da área de Biblioteconomia que abordam a biblioterapia. Também não há aplicações práticas regulamentares, a não ser a atuação de algumas organizações não governamentais em hospitais, tais como a Doutores da Alegria que, aliada ao lúdico, trazem também a contação de histórias. Mas esse tipo de trabalho foge um pouco à premissa da biblioterapia em si. Entretanto, houve uma tentativa de implantar biblioterapia como terapia auxiliar, na rede pública brasileira de saúde. O Projeto de Lei 4186/12, do deputado Giovani Cherini (PDT-RS), propunha a terapia por meio da leitura aplicada aos hospitais do SUS. Haveria elaboração de materiais específicos para utilizar em terapias envolvendo os familiares dos pacientes. Esses materiais seriam prescritos após autorização do Ministério da Saúde. O texto da lei também vislumbrava a venda dessas obras biblioterapêuticas em farmácias e drogarias. O Projeto de Lei criado em 2012 não obteve aprovação do congresso e encontra-se arquivado, contudo abriu um precedente para que talvez haja no futuro outras tentativas da aplicação biblioterapêutica nos hospitais brasileiros. Embora desejável, não se faz necessária a aplicação em instituições para que ocorra a biblioterapia. Como não há contraindicações de qualquer tipo, o tratamento biblioterápico pode ser auto induzido, o que acontece quando o leitor procura obras literárias cujo tema possa lhe ajudar a superar problemas enfrentados na vida. Apesar da grande variedade no mercado editorial de obras consideradas "autoajuda", não é disso que se trata a biblioterapia. A terapia eficaz seria aquela realizada a partir da leitura literária e não de livros de psicologia, religiosos ou outros.

Segundo CALDIN (2001, p.65), em sua atuação como professora na Universidade de Santa Catarina e em seus estudos nessa área:

Na biblioterapia, tendo em conta as várias correntes de ação da psicologia clínica, podem ser usados livros de ficção que ajudam o paciente a confrontar-se com as suas tensões e conflitos internos, propiciando a identificação da sua vivência com a vida dos personagens do livro.

Ou seja, a ação terapêutica ocorre quando o leitor se identifica com o personagem e vive seus dilemas no âmbito psicológico, criando assim, em seu universo internos subsídios para enfrentar seus problemas reais. Sendo assim, a biblioterapia tem sido empregada para problemas que vão além da convalescência, tais como depressão, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, distúrbios do sono, etc.

O livro Farmácia Literária, criado por duas professoras inglesas da área de Letras (Ella Berthoud e Susan Elderkin), aponta, tal como uma enciclopédia, com verbetes e índices, diversos males que podem ser curados pela leitura. Desde coração partido, ser muito ocupado, sentir-se fracassado, passar por uma separação/divórcio, lidar com câncer na família, o livro aponta uma lista de obras que, se lidas, podem ajudam a superar esses e outros problemas.

Atualmente também se encontram narrativas literárias nas quais a biblioterapia aparece como um dos temas intrínsecos, como no livro A livraria mágica de Paris, de Nina George, no qual um dono de uma livraria-barco indica livros para curar corações partidos, enquanto ele próprio viaja pelos rios da França, em busca do seu amor do passado. Viagem semelhante fazem os personagens do livro Em algum lugar nas estrelas, de Clare Vanderpool, dois amigos que se lançam numa aventura de barco em busca de si mesmos, repleta de referências a outras obras literárias. Nessas narrativas os personagens buscam a própria cura através da leitura, remetendo, na literatura oriental, à cura engendrada por Sherazade durante suas Mil e uma Noites de terapia através de histórias as quais somente elas, poderiam ter curado um coração tão machucado e descrente do amor tal qual o coração de Xariar, Rei da Pérsia.

Através do resgate da importância da biblioterapia como aplicação simples na interação cotidiana entre bibliotecário e usuário, propõe-se estimular um elo entre literatura e leitor que vise a uma maior qualidade de vida e a um maior conhecimento de si mesmo. Sendo assim, a escola poderá promover a valorização da cultura letrada e a criação de senso crítico no aluno para sua futura atuação como membro da sociedade.

2. RELAÇÃO ENTRE O SENTIR E A LITERATURA

O ser humano sempre gostou de histórias. Isso está evidenciado nos vestígios deixados por nossos ancestrais nas paredes das cavernas, nos relatos de rodas ao redor das fogueiras noturnas e no prazer com que cada um de nós, criança ou adulto, entrega-se à história, seja ouvida ou lida.

Para MATOS (2005, p.67), essa necessidade de consumir histórias deve-se à ânsia de compreender o mundo, como uma "particularidade da natureza humana já presente em nossos ancestrais pré-históricos". Segunda a autora, "foram eles os primeiros a se inquietar com as grandes perguntas que ainda hoje nos tiram o sono: De onde venho? Para onde vou? O que faço aqui? Que lugar é este? "

Ainda segundo MATOS (2005, p.68), "a relação entre psique humana e literatura não é nova", tendo sido baseada já nas observações de Sigmund Freud e suas considerações psicanalíticas sobre Shakespeare e Dostoievski. Carl Jung, logo depois, também citou Goethe, Spilteler, Nietzche, Blake e Dante como fontes criativas para transformação interior. A autora enxerga relações entre a literatura e a construção do ser humano até mesmo nas teorias de Levy Vygostky sobre a psicologia infantil.

CALDIN (2001, p.75) também cita Jung e sua compilação do inconsciente coletivo, como base para estabelecer os arquétipos dos mitos, contos e lendas.

Os contos revelam um mundo que não é o da realidade e que tem sua representação no inconsciente coletivo dos povos. Seu conteúdo é arquetípico, ou seja, formado pelas imagens primordiais ou símbolos comuns a toda a humanidade.

A princesa e sua delicadeza, o guerreiro e sua força, a dissimulação da bruxa, a maldade do lobo, são todos elementos que encontram imagens refletidas na psique humana e, portanto, no comportamento das pessoas. A identificação com esses elementos permite desvendar o simbolismo dessas figuras e aplicá-las ao nosso próprio processo de identificação do eu.

Além da filiação, além do cargo que ocupa, além das atribuições sociais, além do nome que carrega, quem é você? Qual seria sua essência se lhe fossem destituídos os parentescos familiares, os atributos profissionais, a sociedade ou grupo com o qual se identifica? A biblioterapia ajuda a desvendar essas respostas.

3. CONCEITOS E OBJETIVOS DA LEITURA COMO TERAPIA

A biblioterapia como coadjuvante em tratamentos de qualquer ordem, seja aplicada por profissionais ou não, tende a levar a um maior conhecimento de si próprio, levantar emoções ou sentimentos pouco identificados pelo leitor, através de processos inconscientes de comparação com os personagens de uma trama literária ou até mesmo, de um texto poético.

De acordo com QUAKNIN (1996, p. 97), o ser humano, "encontra suas forças no processo narrativo-interpretativo da atividade da leitura", podendo realizar transformações em sua maneira de ver a vida e interagir com a realidade do mundo. Dessa forma, o leitor ativaria dentro de si a capacitação para curar, desde sentimentos que lhe incomodem até, por que não, mal-estar físico, pois, haja visto que a mente pode gerar influência nos processos corporais, se houver intrinsecamente a crença de que isso é possível.

O cérebro humano é influenciável e responde a sugestões em palavras. Já há comprovação científica de que palavras positivas, ditas ou ouvidas, acarretam maior bem-estar e os estudos realizados com os chamados remédios placebo comprovam essa tese. O placebo seria um remédio falso que, aplicado a um grupo de controle nos testes pré-venda de medicamentos, consegue efeitos positivos mesmo sem apresentar conteúdo farmacológico. Em muitos casos, em dois grupos de pessoas padecendo de uma mesma doença, um grupo recebendo placebo e o outro o remédio real, o nível de resultados positivos foi maior no grupo do placebo. Ou seja, a biblioterapia trabalha com essa premissa básica de que a mente humana pode buscar, senão a cura, uma maior qualidade de vida, através apenas da indução da positividade. Salientando, é claro, que a biblioterapia não substitui o tratamento médico convencional, mas que pode sim ser utilizada como atividade complementar para o bem-estar do indivíduo.

O próprio ato de ler, se silencioso, já provoca no organismo reações saudáveis: os batimentos cardíacos se normalizam, a respiração torna se mais eficiente e benéfica, oxigenando o sangue e promovendo concentração e maior clareza de pensamento. Não podemos esquecer que o ato da leitura é um exercício de decifração de signos (letras) aos quais estamos imputando significados. Essa decodificação é uma tarefa de vulto, que exige a ativação de várias áreas cerebrais. Por isso, o exercício da leitura está ligado à prevenção de doenças degenerativas como o mal de Alzheimer, segundo afirma HERCULANO-HOUZEL (2017).

Para SILVA (2011, p.57), "neste sentido, o poder de uma boa leitura não deve ser subestimado. Um livro é semelhante a uma partilha, seja ela proveniente de uma experiência de vida ou uma partilha fictícia vinda do imaginário do autor. "

Os relatos orais e horas do conto são importantes, neste sentido, sobretudo para as crianças. O psicólogo austríaco Bruno Bettelheim, em seu livro Psicanálise dos Contos de Fadas, aponta que ouvir os contos ajuda a criança a entender o mundo. Contudo, para o adulto, a biblioterapia individual seria mais eficaz, haja visto que parte dos processos internos do próprio indivíduo. A identificação e envolvimento emocional que ocorre durante a leitura de uma obra abre um leque de simbologias que o leitor carrega para dentro da sua própria vida, fazendo dessa prática uma maneira mais efetiva de terapia do que se apenas ouvisse uma história.

4. A IMPORTÂNCIA DA BIBLIOTERAPIA PARA CRIANÇAS

Ricardo Azevedo, escritor, ilustrador e estudioso da cultura brasileira, costuma fazer uma análise da escola e da sociedade em seus textos, na qual ele levanta algumas questões referentes às necessidades

da criança. Uma delas, segundo ele, seria falar sobre a morte. Numa sociedade caracterizada pela busca eterna pela juventude e pela alegria de viver, muitas vezes imposta e falsificada através das redes sociais, não há espaço para falar da tristeza, da raiva e de outros sentimentos negativos intrínsecos à criança. Da mesma forma, não há momentos para se falar da morte, deixando as crianças despreparadas para o momento inexorável do primeiro confronto com ela, seja quando morre um animal de estimação ou um ente querido.

Na introdução do livro Contos de enganar a morte, o autor afirma que devemos falar da morte para as crianças, não de maneira complexa ou filosófica mas de forma que a morte possa ser um personagem das histórias, dos contos, dos relatos. Da mesma forma, AZEVEDO (2010, p.3) lembra que muitos outros temas passam longe dos bancos escolares, principalmente aqueles:

relativos às emoções e afetos; os relativos à nossa relação com a morte; à nossa relação com o Outro; à passagem inexorável do tempo; à nossa relação com as perdas; à nossa relação com a ambiguidade; à nossa relação com a carência afetiva; com nossa corporalidade e suas implicações; com os valores sociais e morais vigentes; com a metafísica; com o que seja efemeridade, a utopia, a loucura, a fantasia, a realidade, entre uma infinidade de outros temas vitais, mas ausentes das matérias que formam os currículos oficiais.

Para o autor, o não aparecimento desses temas no cotidiano escolar caracteriza uma falha grande do esquema educacional atual. Os temas mais polêmicos deveriam ter como ponto de partida a discussão dentro da escola, senão como parte formal do currículo, pelo menos nas conversas entre professores e alunos, se houver essa abertura. Sem esses momentos, formaremos apenas adultos com vasto conhecimento no campo intelectual e cientifico, mas "pobres no campo da emoção", como cita o psiquiatra e escritor Augusto CURY (2014, p. 67).

Para BETTELHEIM (2010, p.27), a apropriação dos contos seria a matéria prima com a qual a psique infantil irá moldar o seu conhecimento de mundo, aprendendo a partir dessas narrativas algumas noções sobre questões da vida as quais ainda não tem respostas, tais como a ambiguidade do comportamento humano, a dualidade do ser, a existência do bem e do mal, etc. Além disso, o contato com essas narrativas seria uma ferramenta para que a criança aprenda a lidar com seus próprios desejos. Crianças, de qualquer idade, mas sobretudo as menores, estão sempre à mercê dos seus desejos. Desde pequeno, o bebê aprende a querer o que vê. Ele engatinha pelo chão, vai em busca do objeto que anima suas retinas, toca e explora esse novo elemento e, numa tentativa de interação, o coloca na boca.

Como é explicitado pela teoria do desenvolvimento infantil de FREUD (2016, p. 74), na chamada Fase Oral, a criança utiliza a boca como fonte de prazer e de realização dos desejos, o que envolve desde a amamentação até a degustação dos primeiros alimentos, mas ultrapassa o quesito da nutrição, englobando também sua interação com o mundo. A partir de então a criança quer tudo o que vê mas vive num mundo onde não tem acesso ao tudo o que deseja.

Sendo assim, ao desejar algo que lhe foi negado, seja de ordem material ou não, a criança cria uma frustração interna. Segundo BETTELHEIM (2010), essa frustração só é amenizada quando ela consegue o que desejou ou ouve uma história no qual o personagem foi colocado numa situação parecida e no final conseguiu o antes almejado. Ao espelhar os seus sentimentos na conquista do personagem fictício, ocorre o processo descrito pela psicanalise como catarse.

Mesmo nós adultos, quando nos sentimos injustiçados ou tolhidos de alguma forma, sentimos o alívio da catarse ao acompanhar um filme, uma notícia, uma novela ou uma leitura que faça nos lembrar do nosso dilema e no qual, possamos obter, de modo catártico, aquilo que desejamos.

CALDIN (2001) também cita a catarse e outros aspectos da psique humana, tais como identificação e projeção deflagradas a partir da leitura e seu benefício seja para doentes em hospitais, idosos com limitações ou presidiários.

A criança também é beneficiada por esses processos, pelos quais MAIA (2007, p.100) afirma que "não seria exagerado dizer que as crianças podem falar de seus medos, suas alegrias e suas dores, fora das interações construídas e constituídas no dia-a-dia, nos momentos destinados à leitura. A leitura privilegia uma maior compreensão dos seus próprios sentimentos, além de ativar a concentração e a imaginação da criança, através da visualização da história que está sendo lida/ouvida.

Para muitos, a infância é o período da vida mais agradável e lembrado com nostalgia mas, apesar de toda a romantização sobre ela, a infância normalmente também é caracterizada por estresses, privações, turbulências e ocorrências desagradáveis, que, aliados às limitações infantis pode ser extremamente desconcertante para a criança. Tensões infantis, tais como brigas com colegas, uma tarefa difícil na escola, medo de fracassar em uma matéria, e outros fatores ligados às várias etapas do crescimento, impõe à criança sentimentos estressantes.

A biblioterapia pode, nesses casos, ser extremamente proveitosa para ajudar a criança a lidar com essas emoções. Segundo DUNBAR (2008, p.17), "a leitura faz com que as crianças encontrem espaço de serenidade dentro de si mesmas". Dessa forma, o contato com a riqueza de situações e personagens presente nas obras literárias, reforça na criança a crença positiva sobre a vida e, além disso, ajuda a formar a identidade, de uma forma prazerosa e relaxante, tal qual são os momentos de leitura solitária ou de aconchego ao ouvir uma história.

Portanto o incentivo ao reconhecimento das próprias emoções seria a maior contribuição da biblioterapia aplicada ao ambiente escolar. Os sentimentos, embora inconstantes e mutáveis, fazem parte da formação integral do ser humano e o livro confere aos sentimentos do leitor ou do ouvinte uma oportunidade de serem reconhecidos e trabalhados. MAIA (2007, p.53) explica que

a criança, na convivência com a literatura, constrói sua história de leitura nos aspectos significativos, atraentes e estéticos da linguagem; razão por que o ato de ler pode ultrapassar a simples aquisição e domínio de um código escrito.

Ou seja, o ato de ler é muito mais do que uma prática reconhecidamente cultural, meio para obter conhecimento ou exercício de decifração de signos. A leitura é, afinal, um diálogo entre seres humanos, intermediado por um suporte e, como qualquer oportunidade de diálogo é válida e transformadora, a conversa entre o livro e o leitor também o é.

5. APLICAÇÃO NAS BIBLIOTECAS ESCOLARES

Na introdução salientamos que a biblioterapia pode ser aplicada em várias frentes da atuação do bibliotecário. Para explicitar apenas algumas: no trabalho de referência, indicando material de leitura individualmente, em atividades como rodas de leitura, hora do conto e em reuniões pedagógicas, como dinâmica de grupo e, individualmente com alunos e pais, como brincadeira lúdica. Partiremos para

explicação de cada uma dessas situações, baseada na nossa atuação na Rede SESI - SP de bibliotecas escolares.

O serviço de referência possibilita aplicação da biblioterapia quando o bibliotecário está apto a fazer uma leitura do usuário de modo a indicar-lhe obras de maneira mais eficiente. Partindo da premissa de que é necessário haver afeto na educação, fator abordado por diversos especialistas da área, entre eles Henry Wallon (1879-1962), Jean Piaget (1896-1980) e Levy Vigostky (1896-1934), o relacionar-se com o aluno precisa ser carregado de um olhar cuidadoso. É a partir desse olhar que a indicação de obras será realizada. Além de conhecer o usuário, é necessário também que o bibliotecário tenha um bom conhecimento sobre o acervo, a fim de indicar obras que possam ajudar o aluno na busca pelo autoconhecimento.

A qualidade do serviço de referência só é possível através da conversa com o usuário. Por mais que o bibliotecário conheça o currículo e mantenha contato com a equipe docente é o próprio usuário quem vai apontar suas necessidades informacionais. E as necessidades deste ultrapassam em muito o currículo. Observamos em nossa atividade que os alunos procuram a biblioteca para responder à perguntas diversas, seja dúvidas sobre adolescência, separação dos pais, orientação vocacional, meditação, leitura motivacional, bullying, relacionamentos amorosos, etc. Mesmo as crianças menores buscam saber mais sobre algum assunto que será aplicado ao seu dia-a-dia, como brigas com o melhor amigo, ficar de castigo ou ficar doente, por exemplo.

As atividades formais, solicitadas pela equipe docente, tais como hora do conto, hora da leitura, roda de leitura, etc. também podem ser oportunidade para bilbioterapia, nesse caso, com a mediação do bibliotecário. Muitas vezes, os professos solicitam obras que trabalhem um conteúdo especifico da disciplina ou que tragam embutidos aspectos pedagógicos ou comportamentais para a criança. Através do olhar atento do bibliotecário é possível ir além e utilizar esses momentos para tratar de conflitos conhecidos previamente, tais como casos de bullying ou rivalidade entre a turma.

É importante salientar que a biblioterapia, como qualquer outro tratamento que tenha início e fim não deve ser aplicada ad infinitum no espaço da biblioteca, sob pena de descaracterizar-se a biblioteca escolar como ambiente da aquisição e produção do conhecimento.

Na unidade do Centro Educacional 148 Birigui, a biblioterapia foi aplicada de maneira divertida em uma Reunião Pedagógica, através de uma dinâmica na qual os professores foram solicitados a escrever em pedaços de papel uma palavra que os afligia, sendo recolhidos depois em uma caixa. Em seguida, a bibliotecária entrou na sala caracterizada com um chapéu e uma echarpe, apresentou-se como Madame Livrin, uma terapeuta francesa famosa e fictícia, que prometia curar qualquer mal através da leitura. A curiosidade sobre a personagem já havia sido aguçada antes, com um cartaz previamente colocado na sala de reuniões, que prometia, entre outras coisas "trazer de volta a vontade de ler em apenas três páginas".

Essa caracterização foi necessária para tornar a atividade leve, prazerosa e carregada de humor, garantindo assim o envolvimento da equipe para as informações passadas a seguir, sobre biblioterapia ao redor do mundo. Em seguida foram sorteados e lidos alguns papéis, aos quais Madame Livrin ia indicando a leitura correspondente, tais como Um certo verão na Sicília (Marlena de Blasi) para ansiedade, Ilusões perdidas (Honoré Balzac) para desmotivação e O diário de Bridget Jones (Helen Fielding) para ser solteiro, entre outros males citados. Através dessa dinâmica foi possível relembrar aos professores a importância do ser leitor para formar alunos leitores e dos benefícios trazidos por uma boa leitura.

Também de maneira lúdica, aplicamos sessões individuais de biblioterapia com os alunos do 8° ano do Ensino Fundamental em diante. Iniciamos fazendo a divulgação nas salas de aula, avisando que Madame Livrin estaria atendendo. Assim, nos intervalos e outros momentos oportunos os alunos procuravam a bibliotecária, sozinhos ou em duplas para reportar algum sentimento contraditório ou problema efetivo e

ouvir sobre a terapia indicada. Nessas consultas, a bibliotecária fez uso do livro Farmácia Literária e quando não havia no acervo os livros indicados por ele, ela sugeria outros. Em cerca de 90% desses atendimentos, os alunos realizaram o empréstimo do livro sugerido. Alguns, inclusive, vieram agradecer a sugestão pois a leitura havia sido de muita valia para sua questão particular.

Para promover o atendimento aos pais, é necessário que haja um período específico na biblioteca para recebe-los, geralmente, próximo ao horário em que eles vão buscar os filhos ao final da aula. Muitos pais atendidos procuram livros de autoajuda para si ou livros que os auxiliem em alguma situação problemática com os filhos. No primeiro caso, é importante que o bibliotecário indique também outras leituras, como clássicos, poesia e obras literárias em geral, a fim de aumentar o repertório desse pai/mãe e proporcionar maior conhecimento sobre o acervo. No segundo caso, os pais têm dúvidas sobre questões como medo infantis, insônia, enurese, etc., casos para os quais o bibliotecário pode indicar obras literárias ou informativas. Em um caso particular, uma das mães disse que a filha estava com muito medo de bruxas e pediu livros que ajudassem nesse sentido, ao que a bibliotecária indicou Bruxa, bruxa, venha à minha festa - Arden Druce, Winnie, a feiticeira - Korky Paul e outros. Ou seja, livros de bruxas! Aquela mãe queria exatamente o contrário mas compreendeu que aquelas histórias mostravam o arquétipo da bruxa de uma maneira diferente, o que poderia ser muito mais útil do que banir para sempre a figura da bruxa da vida da criança. É importante que o bibliotecário esteja disposto a conferir esse outro olhar a respeito do material bibliográfico destinado às crianças para preencher as necessidades informacionais dos pais e manter o vínculo família-escola.

Para trabalhar o tema com os alunos menores, é necessária uma adequação para a faixa etária. Há a possibilidade de realizar uma roda de leitura específica com os alunos do 3° ao 5° ano, no qual explica-se inicialmente de maneira breve o que é a biblioterapia e como utilizá-la. Em seguida, é possível separar livros de acordo com o conteúdo, que possam ser utilizados para situações específicas na vida da criança: o quer ler quando se está doente (Bom remédio - Tatiana Belinky, Das Dores e Já Passou - Wagner Costa, etc.), problemas familiares (Papai vai se casar - Jennifer Moore-Mallinos, Amor inteiro para meio-irmão - Cristina Agostinho, Dois de Cada - Babete Cole, Meu avô é um problema, idem, etc.) e manuais para a vida (Como se comportar nas festas - Arianna Candell, O livro das emergências - Aline Angeli, O livro das encrencas - Rosana Rios, O livro de etiqueta de Madame Lupin - Babete Cole, Manual de Antiqueta: um livro de alta ajuda - Marcelo Cipis, etc.). Muitas outras categorias podem ser criadas pelo bibliotecário, utilizando livros do acervo. Além de conscientizar sobre a importância da leitura e abordar de maneira simples e divertida o tema biblioterapia, a roda de leitura aumenta o repertório dos alunos para futuras leituras.

São atividades simples que permitem divulgar os benefícios da biblioterapia a todos os segmentos de usuários da biblioteca, trabalhando assim um tema ligado à biblioteconomia que visa humanizar o atendimento da biblioteca e resgatar o prazer a magia da leitura.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao ser aplicada em instituições, a biblioterapia mostra-se como atividade interdisciplinar pois envolve, além de bibliotecários, profissionais da área de saúde, educação, literatura, psicologia, entre outros, trazendo uma visão holística sobre o ser humano, cada vez mais sendo enxergado como ser complexo e mutável. Essa contribuição da biblioterapia para a sociedade torna-se muito importante no âmbito das ciências humanas. Contudo, a sua importância não é diminuída ao ser aplicada de maneira menos científica e mais lúdica, com ações simples no cotidiano da biblioteca escolar. O maior benefício de trabalhar com o usuário a partir do conceito da biblioterapia é o ouvir: saber exatamente aquilo que o usuário quer e precisa.

É importante salientar que, além de todos os conhecimentos que interessam ao aluno pelo seu caráter cientifico e didático, há toda uma gama de assuntos que cada um tem curiosidade. De dinossauros a naves espaciais, de robôs a esportes, de insetos a curiosidades históricas, passando por diferenças entre meninos e meninas, como lidar com a morte, como ser feliz, como evitar gafes, como cuidar de bichinho de estimação, como encarar uma doença grave, como sentir-se amado, até questões sem resposta efetiva, tais como, o que acontece após a morte, existe vida extraterrestre, a mente é capaz de fenômenos paranormais, e muitas outras.

Alguns ficam apenas com o conhecimento que é de prerrogativa escolar, seja por desejo próprio, falta de estimulo familiar, etc. Outros querem desbravar o mundo e lançam-se à outras leituras, outras fontes de saber, outras filosofias, independente de todos os trabalhos e provas que há por fazer. E então aprendem a questionar, a filosofar, a não aceitar a vida como ela é e, depois de adultos, a criar um mundo bem melhor. Cabe ao bibliotecário acender essa centelha nos primeiros e identifica-la nos segundos, para mantê-la até que finde o período escolar. É uma missão valorosa, tanto difícil quanto maravilhosa, e a biblioterapia pode ser uma das ferramentas utilizadas para isso.

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REFERÊNCIAS

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ATIVIDADES DENISE ZANETTI DELGADO - CRB 6910
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